A célebre "Carta
do Achamento do Brasil" foi escrita por Pero Vaz de Caminha em Porto Seguro, entre 26 de abril e 2 de maio de 1500. Cidadão
da cidade do Porto, mestre da balança da moeda, de família respeitável, porém
sem tradições literárias, o escrivão registrou em 27 páginas de papel as
impressões sobre a Terra Nova.
A intenção aqui não é colocar o Caminha no banco dos réus.
Mas fazer um exercício histórico para tentar explicar duas das maiores mazelas
do nosso país: o desperdício de recursos
e a corrupção.
Desperdício de
recursos - Conforme o escrivão relatou, “nela,
até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de
metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios
e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos
como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que,
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.”
Pois é, “em se plantando, tudo dá” é um erro de citação. Mas
a discussão aqui é outra: como é que o Brasil, com seus 8 milhões e meio de km²,
ou 47% do território sul-americano, ainda
exibe estatísticas desastrosas em saúde, educação, desigualdade, etc? O
desperdício, a corrupção, o descaso, a incompetência, a
burocracia e a falta de planejamento do governo sugam o equivalente a todas as
riquezas produzidas anualmente pela Argentina. Todos os anos, cerca de
R$ 1 trilhão, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, é
desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de
problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos,
quase R$ 25 são desperdiçados. O Brasil deixou passar a bonança externa — entre
2003 e 2008, o mundo viveu a sua era de ouro, puxado pelo super crescimento
chinês — sem fazer as reformas estruturais necessárias à economia. Agora, se vê
sem capacidade de colher os frutos do bônus demográfico, período único em que
as nações usam a sua força de trabalho para se tornarem ricas.
Cerca de 80% do território japonês apresenta relevo montanhoso. Apenas 16% são formados por planícies, onde a atividade agrícola é mais fácil. No entanto, o Japão é a 3ª economia do mundo, atrás apenas dos EUA e da China. Somente 12% do território japonês são apropriados para o cultivo. Devido a essa falta de terra arável, um sistema de terraço é utilizado para se plantar em pequenas áreas. Consequentemente, o país tem um dos maiores índices de produção por área quadrada do mundo, conseguindo uma auto-suficência de produtos agrícolas por volta de 50% em apenas 56 mil km².
Da Terra Nova farta e próspera do Caminha, o país ganha cada
vez mais a cara do desperdício!
Corrupção – “E pois que, Senhor, é certo que, assim neste
cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa
Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer
singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o
que d'Ela receberei em muita mercê.”
Será que a corrupção endêmica é uma doença hereditária, inextirpável
do organismo nacional? Eu particularmente não acredito nisso.
Ao fazer o pedido de regresso de seu genro José Osório ao
território da Metrópole, no fim da carta, Pero Vaz estava na realidade trazendo
a impunidade à baila, pois o tal genro Jorge de Osório estava cumprindo pena na
África. Sua filha única, Isabel de Caminha, fizera mau casamento. O marido,
indivíduo de maus costumes, fora preso por assalto à mão armada e condenado a
degredo para a ilha de São Tomé, na África. Mesmo sendo genro de um alto
funcionário do reino, o meliante fora apanhado nas malhas da lei. No entanto, desde
o Achamento, ou Descobrimento, não se sabe de um único e escasso condenado
pobre, sem dinheiro para bacharéis dolarizados, que conseguiu com embargos
infringentes ser julgado de novo pelo mesmo tribunal e livrar-se da cadeia.
Não se conhece a duração do castigo imposto a Jorge de
Osório, nem quanto tempo cumpriu na ilha de São Tomé, ou mesmo se Dom Manuel I
atendeu ao pedido de Pero Vaz de Caminha, mas o fato é que, com esta referência
fazendo parte da Certidão de Nascimento
do Brasil, a corrupção tenta marcar sua presença no DNA dos poderosos.
Tomara que nossa genética prove o contrário e o organismo possa expulsar estas
células malignas.
P.S.: “Beijo as mãos de Vossa Alteza"
Haroldo Magalhães Elias