domingo, 29 de setembro de 2013

A culpa é do Pero Vaz?



A célebre "Carta do Achamento do Brasil" foi escrita por Pero Vaz de Caminha em Porto Seguro, entre 26 de abril e 2 de maio de 1500. Cidadão da cidade do Porto, mestre da balança da moeda, de família respeitável, porém sem tradições literárias, o escrivão registrou em 27 páginas de papel as impressões sobre a Terra Nova.

A intenção aqui não é colocar o Caminha no banco dos réus. Mas fazer um exercício histórico para tentar explicar duas das maiores mazelas do nosso país: o desperdício de recursos e a corrupção

Desperdício de recursos - Conforme o escrivão relatou, “nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.”

Pois é, “em se plantando, tudo dá” é um erro de citação. Mas a discussão aqui é outra: como é que o Brasil, com seus 8 milhões e meio de km², ou 47% do território sul-americano,  ainda exibe estatísticas desastrosas em saúde, educação, desigualdade, etc? O desperdício, a corrupção, o descaso, a incompetência, a burocracia e a falta de planejamento do governo sugam o equivalente a todas as riquezas produzidas anualmente pela Argentina. Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 são desperdiçados. O Brasil deixou passar a bonança externa — entre 2003 e 2008, o mundo viveu a sua era de ouro, puxado pelo super crescimento chinês — sem fazer as reformas estruturais necessárias à economia. Agora, se vê sem capacidade de colher os frutos do bônus demográfico, período único em que as nações usam a sua força de trabalho para se tornarem ricas.

Cerca de 80% do território japonês apresenta relevo montanhoso. Apenas 16% são formados por planícies, onde a atividade agrícola é mais fácil. No entanto, o Japão é a 3ª economia do mundo, atrás apenas dos EUA e da China. Somente 12% do território japonês são apropriados para o cultivo. Devido a essa falta de terra arável, um sistema de terraço é utilizado para se plantar em pequenas áreas. Consequentemente, o país tem um dos maiores índices de produção por área quadrada do mundo, conseguindo uma auto-suficência de produtos agrícolas por volta de 50% em apenas 56 mil km². 

Da Terra Nova farta e próspera do Caminha, o país ganha cada vez mais a cara do desperdício!

Corrupção – “E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê.”

Será que a corrupção endêmica é uma doença hereditária, inextirpável do organismo nacional? Eu particularmente não acredito nisso.

Ao fazer o pedido de regresso de seu genro José Osório ao território da Metrópole, no fim da carta, Pero Vaz estava na realidade trazendo a impunidade à baila, pois o tal genro Jorge de Osório estava cumprindo pena na África. Sua filha única, Isabel de Caminha, fizera mau casamento. O marido, indivíduo de maus costumes, fora preso por assalto à mão armada e condenado a degredo para a ilha de São Tomé, na África. Mesmo sendo genro de um alto funcionário do reino, o meliante fora apanhado nas malhas da lei. No entanto, desde o Achamento, ou Descobrimento, não se sabe de um único e escasso condenado pobre, sem dinheiro para bacharéis dolarizados, que conseguiu com embargos infringentes ser julgado de novo pelo mesmo tribunal e livrar-se da cadeia. 

Não se conhece a duração do castigo imposto a Jorge de Osório, nem quanto tempo cumpriu na ilha de São Tomé, ou mesmo se Dom Manuel I atendeu ao pedido de Pero Vaz de Caminha, mas o fato é que, com esta referência fazendo parte da Certidão de Nascimento do Brasil, a corrupção tenta marcar sua presença no DNA dos poderosos. Tomara que nossa genética prove o contrário e o organismo possa expulsar estas células malignas.

P.S.: “Beijo as mãos de Vossa Alteza"

Haroldo Magalhães Elias